O cinema é uma arte visual, muito pode ser contado apenas com um olhar. Há filmes que entregam uma carga de emoções em questão de segundos com apenas uma tomada, até mesmo um plano estático. Diretores como Kubrick e Tarkovsky fizeram grandes obras da ficção científica e souberam aproveitar cada pedaço da película, transformaram o filme em uma experiência única. Nem sempre precisamos de diálogos explicando tudo que estamos vendo ou uma direção mais didática, também é necessário abraçar o abstrato e dar valor ao silêncio. Isso é algo queSob a Pele faz muito bem, se arriscando em tempos de um cinema cada vez mais apressado e de atenção limitada.
Estrelado por Scarlett Johansson (que esteve em outra obra sci-fi no mesmo ano, o ótimo Ela, de Spike Jonze), Sob a Pele segue uma figura misteriosa, uma jovem -obviamente- belíssima em uma missão curiosa que envolve seduzir alguns homens que encontra no caminho. Isso é apenas metade da premissa, a parte que eu consigo explicar sem entrar em especulações, porque a outra metade envolve motoqueiros obstinados e um lugar completamente sombrio onde você afunda na escuridão (é isso ou algo bem próximo disso).
Jonathan Glazer, o diretor, recorre ao silêncio, esse é um filme que constrói uma atmosfera característica, e não estou falando apenas da parte sci-fi (mais tarde séries como Stranger Things utilizam o mesmo apelo visual das cenas de Scarlett na escuridão) ou do suspense durante os encontros da personagem; Sob a Pele também é carregado de solidão. A personagem caminha um mundo frio e desolador, as poucas conexões humanas talvez sejam o suficiente para fazê-la questionar suas atitudes, mas ainda assim há uma tristeza que não parece ir embora. Esse é um filme difícil de ser assistido, mas ainda assim cresce com cada assistida, você encontra um novo detalhe que diz muito. É uma pena que alguns tenham assistido esse filme na época apenas pela promessa de uma cena envolvendo nudez com a protagonista, o que explica as reações negativas depois de perceber que tipo de filme estavam assistindo.
Por falar em Johansson, a atriz está perfeita. Se em Ela houve uma falta de presença física e uma predominância através de sua voz (ela interpreta um sistema operacional), aqui é o completo oposto. Johansson tem pouquíssimas falas e entrega todo o drama com sua interpretação, os olhares tortos, a boca travada e o corpo tenso. Uma curiosidade sobre isso é que o diretor pediu para a atriz participar de algumas cenas e improvisar um pouco. O filme foi gravado em uma vila da Escócia onde Scarlett ainda não era tão reconhecida, por isso Glazer fez com que a atriz interagisse com homens aleatórios na estrada, nada de atores, em cenas onde ele podia incluir uma câmera escondida.
Foram quase dez anos de produção, mudanças no elenco e outros ajustes, mas todo esforço valeu a pena. Além da direção de arte belíssima que rende alguns momentos de puro êxtase visual com suas cores e composições, seria tolo esquecer outra composição: a musical, feita por Mica Levi. A trilha principal tem uma melodia quase acolhedora e ameaçadora ao mesmo tempo, é uma sensação estranha que deixa a experiência de assistir o filme ainda mais poderosa. Talvez sem ela este filme pudesse perder até um pouco do tom melancólico que apresenta. Vale mencionar aqui que o filme Aniquilação (2018) claramente pega um pouco emprestado da trilha sonora de Levi, mas isso é só um detalhe.
Sob a Pele é baseado no livro homônimo de Michel Faber. Existe uma possibilidade de muitas perguntas serem respondidas na versão literária, mas considero o mistério o que fez do filme uma obra poderosa. Não precisamos saber de tudo o tempo todo, a experiência é o suficiente. Em um mundo onde não nos esforçamos para interpretar e recorremos ao primeiro vídeo de explicação do filme em um vídeo no Youtube, o longa de Jonathan Glazer apenas cresce com a maneira sutil e quase experimental que executou sua arte. Esse longa não é para todos, mas quem disse que tudo precisa ser?
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