Landscape with Invisible Hand – Crítica | A ideologia que veio do espaço

Landscape with Invisible Hand – Crítica | A ideologia que veio do espaço

3 de outubro de 2023

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Quando Mark Fisher disse que “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, talvez não imaginasse que a essa ideia fosse chegar ao ponto de ser interpretada através de uma ficção científica sobre invasão alienígena. Ainda que essa seja a proposta na superfície, os debates sobre manipulação midiática e a arte como mercadoria são alguns dos que melhor representam a ideia de Fisher sobre a ideologia imperialista e o capitalismo tardio. Assistimos em Landscape With Invisible Hand uma tentativa de representar a figura da elite burguesa através de uma raça alienígena chamada Vuvv, e que ideia melhor do que desapossá-los de sua humanidade (se é que possuem alguma).

Anos no futuro, os humanos ainda estão se ajustando à nova ordem mundial imposta por alienígenas que pretendem “livrar as pessoas de suas atitudes barbáricas” através de seu controle. Com tecnologia avançada, os invasores tomam conta de toda a esfera política e econômica do planeta, fazendo com que os humanos não tenham mais trabalhos e precisem se adaptar ao estilo de vida alienígena. Um jovem artista, Adam Campbell, decide ganhar algum dinheiro com transmissões ao vivo para os alienígenas, que são fascinados pela cultura humana, principalmente o conceito de “amor”, o que faz com que Adam passe a divulgar cada momento do seu namoro com Chloe, recebendo vários seguidores. Mas quando a relação dos dois passa a esfriar, o casal precisa lidar com a reação dos seus fãs extraterrestres.

Embora Landscape With Invisible Hand chame a atenção pelo apelo técnico, desde a mixagem de som criativa que desenvolve a linguagem física dos aliens, até um design de produção e de personagens bastante incomuns, o que mais se destaca é o debate no centro de todos os principais eventos da trama. Há um paralelo óbvio, porém bem construído entre a dominação alienígena e os processos ideológicos que lentamente (por vezes, nem tão lento assim) tomam conta de um grupo ou sociedade geral, no caso o planeta inteiro. A grande crítica anticapitalista é trabalhada através de temas próprios da narrativa do longa, como a incapacidade dos aliens em “amar”, ou o estabelecimento de um sistema predatório e competitivo entre os humanos, que mesmo sem trabalhos regulares, precisam pagar as contas de algum jeito. Isso faz com que o paralelo com a nossa realidade se torne um pouco mais previsível à primeira vista, mas não deixa de ser eficaz.

Outros temas essenciais da obra envolvem a hiper vigilância pelas redes sociais e o a propaganda ideológica da indústria cultural de países como os Estados Unidos. Há um ponto da história em que um dos alienígenas passa a replicar um comportamento “assimilado” por uma série de TV com alto teor fundamentalista, ou seja, tudo que aprendem dos humanos vêm da propaganda, assim nos tornamos reféns do nosso próprio sistema (mais uma vez). E aqui entra o eterno debate sobre a “importância da arte” e a identidade humana, que o filme também desenvolve muito bem, mesmo sendo um pouco óbvia a intenção, o que não atrapalha a experiência de forma geral.

A interação dos atores com os efeitos especiais dos alienígenas também é um obstáculo a ser superado, e por conta da decisão que representa os seres extraterrestres de forma mais foto realista, a imagem é mais grotesca em movimento, com um visual pegajoso, tentáculos barulhentos e uma cavidade bucal que mais se assemelha com nádegas do que qualquer outra coisa. Esse absurdo cômico pode ser encontrado no longa anterior do diretor Cory Finley, o excêntrico drama Puro-Sangue (Thoroughbreds, 2017), e agora a comédia permanece, mas dá mais espaço para a ficção científica no comando da trama geral.

Asante Blackk e Kylie Rogers podem ter a química necessária para o pontapé narrativo, mas a dupla de atores não consegue se sustentar com a mesma força quando a história exige que sigam subtramas distintas. Blackk ainda tem momentos de destaque, mas a personagem de Kylie e seu núcleo dramático nunca deixa de ser coadjuvante, como uma ideia reserva caso a principal não funcione. Graças ao enredo e montagem delicada, a dupla de atores nunca chega a virar um problema, e mesmo assim há uma enorme compensação no elenco com a presença da interpretação mais contida de Josh Hamilton e a excelente Tiffany Haddish, que está um nível acima, não só pela personagem mais envolvente, mas também a carisma da atriz.

Landscape With Invisible Hand pode passar despercebido por grande parte do público, a não ser que seja distribuído no país por algum serviço de streaming capaz de popularizá-lo, ainda assim é uma narrativa inventiva com paralelos entre uma invasão alienígena e o atual estado da super vigilância por monopólios sem supervisão, a forma como o capitalismo transforma a arte em pura mercadoria e a comoditização da nossa própria humanidade.

Landscape with Invisible Hand – USA, 2023
Direção de Cory Finley
Roteiro de Cory Finley e M. T. Anderson
Atuações de Tiffany Haddish, Asante Blackk, Kylie Rogers e Josh Hamilton
Música de Michael Abels
1h e 45 minutos

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