O Hotel do Alpinista Morto | O único SCIFI da Estônia (Vídeo)

27 de agosto de 2023

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Os irmãos Strugatsky são uma dupla de autores soviéticos que podem não ser tão populares na ficção científica quanto um Asimov ou Philip K Dick, mas tem grande influência no gênero, não só pela narrativa de seus livros, mas pelas adaptações que eles já renderam pra TV e cinema. Talvez a obra mais conhecida deles seja a novela Piquenique na Estrada, que se transformou no filme Stalker, um clássico do diretor Andrei Tarkovski. Outras traduções pro cinema que se destacam são filmes como Os Dias de Eclipse, que foi dirigido pelo Aleksandr Sokurov e traz muita experimentação dele, também tivemos a distopia É Difícil ser um Deus, que chegou a ser adaptado mais de uma vez. Todos possuem algum elemento de ficção científica, seja alteração da realidade por um acidente espacial, ou um mundo que os alienígenas invadiram, mas logo abandonaram. Já o longa Hotel do Alpinista Morto é uma obra que traz, além do scifi, o mistério de uma narrativa investigativa, com uma atmosfera absurda e única que pode agradar qualquer fã de Twin Peaks ou Arquivo X.

O cinema da União Soviética era gigante, a maioria vindo do lado russo, mas pouco se fala sobre as produções que saíram da Estônia, ainda mais quando prestamos atenção na ficção científica. A maioria dos filmes do gênero eram curtas, e por isso Hotel do Alpinista Morto se destaca como – provavelmente – o único longa de ficção científica do país. Mesmo sendo único, o filme consegue ser uma obra-prima que compensa essa ausência e representa muito bem o potencial do cinema soviético, e por isso virou um clássico do leste europeu.

Como já mencionei, o filme é baseado em uma obra homônima da dupla Arkady e Boris Strugatsky, mas ao contrário de outros livros mais populares deles, que eram mais voltados pra ficção científica filosófica e introspectiva, Hotel do Alpinista Morto carrega um mistério mais voltado para o thriller policial, ainda que continue sendo, em essência, um scifi mais cabeça.

Hotel do Alpinista Morto Filme SciFi Ficção Científica

A trama acompanha o oficial Glebsky, que parte em uma missão urgente envolvendo um resort isolado entre montanhas congeladas chamado hotel do alpinista morto, que levou esse nome exatamente por conta de um acidente com um aventureiro que morreu ao cair de um penhasco, uma memória sempre presente por conta do enorme quadro na entrada do hotel, representando o homem morto. Quando chega no local, o oficial percebe eventos e pessoas estranhas, mas não faz ideia de qual crime deve solucionar. Antes que pudesse ir embora e desistir do caso, Glebsky fica preso no local por conta de uma avalanche que corta as conexões do lugar com o resto do mundo, e é nesse cenário que a investigação começa de verdade, quando vítimas surgem e eventos misteriosos passam a acontecer, fazendo com que todos os hospedes virem suspeitos.

E você pode estar se perguntando onde entra a ficção científica nisso tudo!?

Parte da surpresa do filme envolve exatamente o elemento scifi, o que pode dar uma dica do que está por vir. Costumo evitar entregar spoilers muito grandes da trama, a não ser que seja necessário. Aqui é difícil estragar a experiência revelando detalhes da história porque esse filme é muito mais sobre a própria jornada do que a conclusão. Ainda assim, ele tem uma baita conclusão, do tipo que deixa uma certa ambiguidade em elementos estabelecidos no começo, mas deixa outros aspectos bem claros para o espectador, incluindo uma cena de quebra da quarta parede que explica muita coisa e deixa ainda mais interessante essa experimentação do diretor.

Então, o filme tecnicamente entrega muito do que está por vir logo no começo, e foi uma boa decisão, porque com certeza muita gente poderia assistir esse filme e chegar na parte que ele abraça total a ficção científica e dizer algo do tipo: “Nossa, mas isso veio do nada”. Felizmente, isso é bem executado e quando o grande mistério é revelado, já não parece mais tão aleatório introduzir conceitos mais inesperados.

Hotel do Alpinista Morto Filme SciFi Ficção Científica

Enquanto Stalker é dirigido por Tarkovsky e se apoia mais em um debate existencialista, aqui temos a direção de Grigori Kromanov, e ele procura uma abordagem com comentários mais voltados para questões sociais e políticas. Claro que os dois filmes têm uma mistura de tudo isso, mas o diferencial do filme de Kromanov é a mescla de gêneros, experimentação na técnica e o excelente trabalho de fotografia, figurino e som.

O longa carrega muito da estética que viria a ser mais popular nos anos 80, principalmente no figurino e cenário, com cores contrastantes e aquela pegada psicodélica que deixa tudo mais bizarro, em combinação com a fotografia obscura do hotel, com muitas sombras e o uso de espelhos pra criar mais confusão nessa atmosfera misteriosa – uma técnica que vimos ser bastante utilizada em outra indicação aqui do canal, o pouco conhecido, mas bastante influente, Mundo Por um Fio.

Tão importante quanto o trabalho de direção de arte é a música. A trilha sonora de Sven Grünberg também tem bastante presença, carregada de sintetizadores que lembram algo no nível das melhores bandas de música eletrônica, sem contar um pouco das composição que bandas como a Goblin fez para os filmes do Dario Argento.

Grande parte da magia desse filme está nessa parte técnica, como a edição fragmentada de algumas sequencias que deixa uma montagem mais confusa, com a intenção de enganar o espectador e fazer você se perguntar sobre o que acabou de ver. Por isso esse é o tipo de longa que vale a pena assistir mais de uma vez, mas não só pela estética, também por todos os temas que ele levanta, principalmente considerando o período em que foi lançado, mesmo que a ambientação também seja um pequeno mistério. Através do protagonista temos muitos debates sobre as contradições da justiça e os limites da lei, com um personagem que acredita estar fazendo o certo em seguir as regras, mas não avalia suas próprias questões morais sobre os eventos bizarros do hotel.

Esse pode ser uma das poucas referências do cinema de gênero da Estônia, mas consegue ser um clássico da ficção científica, que pode ser um pouco difícil de encontrar pra assistir, mas é uma experiência que merece imersão total e uma tela grande com a direção de arte belíssima e o som estalando com a trilha do Grünberg no talo. Uma inesquecível pérola scifi que não pode ser ignorada.


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