O Horror Cósmico de H.P. Lovecraft e suas Influências
23 de agosto de 2020
7minutos de leitura
“Todos os meus contos são baseados na premissa fundamental que as leis, interesses e emoções humanas não possuem valor ou significância na vastidão do cosmos”
Conhecido também por ficção lovecraftiana ou até cosmicismo, o Horror Cósmico vem crescendo cada vez mais entre os fãs de ficção científica. E como dá para perceber pelo nome, a ficção lovecraftiana existe por conta do escritor Howard Phillips Lovecraft. Mas como gêneros literários são fenômenos em constante mudança e movimento, nunca é simples demais definir quem criou o quê de maneira tão simples.
Temos o próprio Edgar Allan Poe, que já trazia elementos de horror cósmico em suas obras antes de Lovecraft, tanto que Lovecraft se inspirou muito nele. Mas como o foco das narrativas de Poe é voltado para a escrita policial e de mistérios macabros, não só no horror cósmico, é compreensível porque foi na escrita de Lovecraft que o gênero tomou mais corpo. Suas obras são carregadas de elementos que marcaram o gênero, como sua atmosfera apocalíptica, horror corporal, um mal ancestral e indescritível, parasitas espaciais, entre vários outros. E é aí que entra a pergunta: O que é o horror cósmico, afinal?
Em seu ensaio “O horror sobrenatural na literatura”, de 1927, H.P. Lovecraft tenta explicar melhor o que ele considera uma verdadeira história de ficção Weird, que é um gênero no qual o horror cósmico se encaixa:
“O verdadeiro weird tale tem algo mais do que apenas homicídios, ossos ensanguentados ou uma lista de regras estabelecidas. Há uma certa atmosfera ofegante e um temor inexplicável de que forças siderais e desconhecidas possam estar presentes”.
Podemos seguir essa definição do próprio Lovecraft, o que muitos fazem, mas vamos debater mais sobre esse assunto. O horror cósmico é um gênero que explora o inevitável e o desconhecido. Diversas vezes falando sobre o encontro do ser humano com uma informação ou descoberta que não é capaz de compreender. Muitos chegam a ficar loucos por conta disso, e por isso a paranóia é bem comum em narrativas como essa.
Essa incapacidade de simplesmente não ter como reagir ou descrever o que está vendo, por conta de ser algo que desafia completamente a sua percepção do que é possível e real, é muito bem representado em um dos contos mais conhecidos de Lovecraft, “O Chamado de Cthulhu”, onde o autor descreve uma criatura que lembra uma mistura entre um polvo, um dragão e uma caricatura humana, com metros de altura e um par de asas.
Mesmo que o horror cósmico tenha monstros e outros tipos de criaturas que ajudam na construção da trama, essa é uma narrativa que também explora a insignificância humana comparada a vastidão do universo. É por conta disso que algumas pessoas costumam atribuir ao gênero uma característica de niilismo existencial, essa morte do sentido e da realidade. Por conta disso, os protagonistas costumam confrontar o pensamento de que sua existência é fútil comparada ao resto do universo, que o trata com indiferença.
Isso acaba trazendo um tom bem pessimista para o núcleo dramático do horror cósmico, o que faz com que muitos personagens simplesmente concluam sua jornada através do suicídio. Essas narrativas são caracterizadas pela falta de esperança.
Podemos usar o termo desespero do event horizon, ou o desespero do ponto de não-retorno. Esse termo (inspirado em um conceito da cosmologia) fala dessa linha, que uma vez atravessada, acaba com qualquer sentimento de esperança. Aqui, um personagem desistiu de tudo, seja sua missão, uma pessoa ou até a própria vida, e não há volta.
O gênero influenciou bastante a literatura, com autores como Stephen King, que entrou de cabeça na atmosfera do horror cósmico, e acabou criando um estilo próprio, que até serve de contraste para a abordagem Lovecraftiana, com suas obras IT: A coisa e O Iluminado. Além dele, temos a pesquisadora Julia Kristeva, que estuda a sensação de melancolia na literatura e a abjeção em narrativas de horror, como fez em Powers of Horror. E eu não posso deixar de mencionar Alan Moore, o mago dos quadrinhos, que já homenageou Lovecraft diversas vezes, principalmente em suas obras Neonomicon e Providence.
A televisão também foi bastante influenciada por Lovecraft, como a recente produção da HBO, Lovecraft Country, uma série que se utiliza dos elementos narrativos do horror cósmico, mas vai além e traz uma inteligente análise do racismo, uma das características mais problemáticas do autor.
Outra série da HBO que bebeu da fonte Lovecraftiana é a primeira temporada de True Detective, onde o personagem Rust Cohle, interpretado por Matthew McConaughey, está constantemente fazendo monólogos sobre a insignificância dos rituais humanos dentro do contexto cósmico. Além disso, há várias referências visuais e menções à obras de Robert W. Chambers, Ambrose Bierce e, claro, o próprio Lovecraft.
Muitos costumam usar a animação Rick and Morty como exemplo para alguns dos temas do gênero, principalmente a crise existencial e o já mencionado desespero do ponto de não-retorno, mas uma outra animação que conseguiu carregar a mesma atmosfera e até referenciou algumas obras do autor em seus monstros da semana, foi a divertida e assustadora Coragem, o Cão Covarde.
No cinema, o horror cósmico tem sido um desafio para muitos diretores, principalmente Guillermo Del Toro, que tenta financiar uma adaptação de Nas Montanhas da Loucura, mas nunca consegue. Além disso, não é uma tarefa fácil representar visualmente um gênero conhecido por confrontar o indescritível.
Mas tivemos bons filmes, como O Nevoeiro, de Frank Darabont, onde um grupo de pessoas se esconde em um supermercado para fugir de uma tempestade, mas logo uma neblina toma conta da cidade e uma ameaça maior pode estar próxima. E também temos o drama Aniquilação, de Alex Garland, que discute o desconhecido e o inexplicável, quando um grupo de cientistas precisa investigar uma anomalia alienígena.
Mas o filme que talvez tenha melhor representado a paranóia e os elementos do horror cósmico de maneira inteligente seja O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter. Na trama, uma equipe de pesquisa na Antártida é aterrorizada por uma criatura alienígena capaz de assumir a aparência de qualquer ser vivo. Assim, todos precisa lidar com o fato de que eles possam ser a criatura.
Além da excelente direção de Carpenter, os efeitos visuais impecáveis e a música do mestre Ennio Morricone, O Enigma de Outro Mundo é um roteiro fortemente influenciado por Lovecraft, principalmente a sua obra Nas Montanhas da Loucura, onde o protagonista narra os eventos de uma expedição desastrosa à Antártida, na esperança de evitar que mais alguém tente retornar ao local.
O horror cósmico é um gênero que traz incontáveis possibilidades. E por isso é decepcionante ver como algumas narrativas de horror cósmico se limitando apenas aos elementos que causam o susto barato através das criaturas, que são ótimas, mas quando encaixadas em um bom enredo, um em que todo esse confronto humano com o vazio e o cósmico pode ser uma boa oportunidade para questionarmos a vastidão de nossa própria identidade.
Por que estou aqui? Qual o meu propósito? E se realmente existir vida lá fora, além da Terra? Não é questão de realmente ver o indescritível, muitas vezes é apenas o pensamento do que pode estar escondido nas sombras que aterroriza a mente humana.
Em 2020 tivemos o lançamento de Dois minutos além do infinito, uma pérola da ficção científica independente que chamou atenção em festivais e depois conseguiu uma visibilidade maior no Brasil quando chegou no catálogo do streaming Max (finada HBO Max). Primeiro longa do diretor Junta Yamaguchi, o filme conta a história de um grupo de […]