M3GAN | Inteligência artificial na zona de conforto
M3GAN | Inteligência artificial na zona de conforto
28 de janeiro de 2023
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O que não falta do cinema de horror são filmes em que algum brinquedo, no caso um boneco ou boneca, se torna o principal objeto de construção de suspense, seja ele um assassino que tomou conta do “corpo” de um boneco através de magia ou só a manifestação de algum mal maior. Podemos colocar nessa lista filmes como Annabelle, Gritos Mortais ou Boneco do Mal, mas provavelmente a figura mais popular desse subgênero acabou sendo Chucky, da franquia Brinquedo Assassino, que até o momento conta com sete filmes originais, um reboot e uma série de TV que já está indo para a terceira temporada. Esses são apenas os mais populares que me vieram à cabeça, portanto fica o questionamento sobre M3GAN, produção do estúdio Blumhouse, dirigido por Gerard Johnstone.
Cady (Violet McGraw) perde os pais em um acidente de carro e precisa se ajustar à nova vida morando com sua tia, Gemma (Allison Williams), uma engenheira trabalhando em uma grande empresa de tecnologia. Ambas têm dificuldades para lidar com o trauma, mas Gemma tenta se aproximar da sobrinha desenvolvendo um projeto ambicioso que vai agradar a pequena Cady, além de ajudar a melhorar a imagem da engenheira com o seu chefe de trabalho impaciente. Assim surge Megan, uma boneca com inteligência artificial que promete impressionar investidores, assim como fazer companhia para Cady. Contudo, o protótipo de Megan passa a ter um comportamento estranho e pessoas próximas de Gemma e Cady são assassinadas.
À primeira vista, M3GAN apresenta um elemento que poderia destacá-la entre os filmes listados anteriormente. Ter a boneca título como uma inteligência artificial quebra um pouco com a expectativa de terror envolvendo uma história de origem mais mística, sem o elemento “amaldiçoado” que filmes desse tipo carregam, e isso faz com que ela entre em um território mais familiar da ficção científica. Para ser justo, não vamos esquecer que o próprio Chucky recebeu esse tratamento “científico” em seu reboot de 2019, aquele com a voz do Mark Hamill e sem o envolvimento de Don Mancini, o criador da personagem. Então, por mais que não seja o padrão, também não estou dizendo que Gerard Johnstone fez a coisa mais original do mundo.
Mantendo o sistema Blumhouse de produção e lançamento, a proposta inicial de M3GAN é ser um longa de orçamento pequeno (considerando outros lançamentos do circuito), mas eficaz, com a principal função de atrair o público com uma história competente e personagens marcantes o suficiente para render sequencias. A estratégia tem tido sucesso nos últimos anos, e M3GAN mantém a linha do estúdio de produções pequenas, mas intrigantes, e já rendeu bilheteria o suficiente para que os custos fossem pagos. Porém, por seguir esse caminho devem-se acatar limitações além do orçamento, como renunciar à certas liberdades criativas por conta da decisão de manter uma faixa etária mais abrangente (o diretor mencionou a possibilidade de uma versão sem cortes, mas esse texto foca exclusivamente em seu lançamento original).
Levando em conta a proposta de M3GAN em funcionar mais como um evento e entrada de franquia, o filme tem sucesso completo em conquistar público com todo o marketing da boneca, principalmente depois de um clipe curto de Megan dançando viralizou rápido. Embora seja uma vitória para o estúdio, o filme poderia ter trabalhado melhor alguns pontos narrativos, com uma trama melhor trabalhada, sem tantas repetições e decisões óbvias ao ponto de deixar o enredo previsível. A direção de Johnstone também não chama atenção, é o típico filme encomendado por estúdio, mais controlado pelos produtores, como Jason Blum e o nosso arroz de festa favorito do terror, James Wan.
No fim, o que mantém o público entretido é a dinâmica entre as personagens e uma história que pode ter sido contada milhares de vezes, mas diverte com a abordagem cômica, quase satírica, que algumas cenas carregam – convenhamos, esse filme sabe exatamente o que é e como as pessoas reagirão à ele. Allison Williams finalmente encontrou sua própria franquia de terror para estrelar, e Violet McGraw acaba carregando a maior parte do drama, felizmente ela também é a atriz mais empenhada em transmitir uma emoção menos caricata, como acontece com o comediante Ronny Chieng, que está mais exagerado atuando como o antagonista coorporativo aqui do que em qualquer uma de suas apresentações de stand-up.
Não espere do longa algo além do que promete em suas campanhas virais, e quer saber? Isso é ótimo, acabo respeitando bem mais um filme que sabe o que quer e executa de forma clara do que uma bagunça pretensiosa que acaba ficando mais confusa do que complexa. M3GAN diverte e intriga, tem potencial para uma franquia provocante e capaz de experimentar bem mais agora que deu certo com o público (nem tanto com a crítica, como deu pra ver, mas não acredito que estejam se importando com isso), o único problema é que esse tipo de sucesso deixa cada vez mais clara a intenção de uma produtora como a Blumhouse em continuar na sua zona de conforto.
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