Em seu penúltimo episódio, Watchmen decide revelar grande parte de seus mistérios, mas acima de tudo, procura apresentar uma história de amor, por mais peculiar que seja. Depois dos eventos do episódio anterior, An Almost Religious Awe, assistimos a relação de Angela e Jon (Dr. Manhattan), ou Angela e Cal, alternando entre passado e futuro, por mais que esses conceitos sejam a mesma coisa para Manhattan, para entender melhor a dinâmica entre o casal e a importância dela.
Em uma abordagem mais delicada, com a trilha melancólica de Trent Reznor e um roteiro com ótimos diálogos, A God Walks Into Abar é mais uma aula de narrativa que a série nos apresenta, e assim como fez em This Extraordinary Being, se aproveita da noção de tempo para criar uma montagem ágil, com transições inteligentes entre cenas e linhas temporais.
Mesmo com a tarefa de um roteiro que amarra a maioria das pontas soltas da série, é um grande mérito desse episódio conseguir construir uma narrativa própria sobre a natureza dos relacionamentos e dedicar a maior parte de seu tempo em algo tão íntimo, o que destaca mais a boa escrita da série e não a limita a apenas grandes reviravoltas para manter o público curioso para a próxima semana.
Além de todo o excelente trabalho em executar com sucesso uma trama desse tamanho, com tantos detalhes e informação, e de ter a responsabilidade de se manter fiel à proposta do que foi criado por Alan Moore nos quadrinhos, há um investimento visivelmente maior nos efeitos visuais e na direção desse episódio, com uma câmera mais arriscada e preocupada em entregar apenas pequenos elementos do que Manhattan pode interpretar, mas sem vergonha de expor alguns visuais impressionantes que eu não esperava em um episódio para a televisão, principalmente na sequência de “criação de mundo” em Europa.
Agora, tenho algumas coisas que preciso mencionar, então vamos para:
Sob o Capuz: Referências e Teorias (SPOILERS)
Antes mesmo de mencionar todos os eventos do episódio, vale lembrar que quase todos os núcleos dramáticos são introduzidos com uma música que tenha a palavra “azul” no título, como Rhapsody in Blue, de Gershwin, que abre o episódio, ou Mr. Blue, da banda The Fleetwoods.
E por falar nisso, a primeira referência está logo na exibição do título do episódio da semana, quando Dr. Manhattan surge na Terra durante um evento em comemoração ao Vietnam e o próprio Manhattan, então ele entra em um bar com o nome “Mr. Eddy’s Bar”, que pode ser uma referência direta ao Comediante, Edward Blake, que é chamado de Mr. Eddy por uma jovem vietcongue que ele engravidou. Os dois brigam e ela acaba cortando o rosto dele, o que termina tragicamente com a jovem sendo assassinada com um tiro da arma do “herói”. Toda a sequência acontece em um bar, durante um evento similar ao que estamos vendo na série.
Nos quadrinhos, a história de origem de Jon Osterman, Dr. Manhattan, é contada em detalhes e através de uma narrativa não linear, na quarta edição. É nela que encontramos a maioria das referências que esse episódio usou, e encontramos mais uma logo nos primeiros minutos, quando Manhattan pega duas cervejas no balcão do bar e leva para Angela, que está sentada sozinha lembrando a data da morte de seus pais. Ele provavelmente aborda ela dessa maneira porque foi assim que sua primeira namorada, Janey Slater, o conquistou: comprando uma cerveja.
Durante sua conversa com Angela, Jon explica o que fez durante os anos que passou fora da Terra depois dos eventos do quadrinho, e através de um excelente trabalho de efeitos visuais, temos a explicação, assistimos Jon criar vida em Europa, uma das luas de Júpiter. Podemos ver o surgimento de vegetação e da água, na qual o personagem caminha, e os primeiros indícios de vida humana, inspiradas na imagem de um casal que Jon presenciou tentando fazer sexo, quando ainda era uma criança imigrante. Esse casal virou o molde para o Sr. Phillips e a Sra. Crookshanks, que de algum jeito acabam ficando com Adrian.
Também descobrimos porque a mansão em Europa pode ser vista também na casa de Angela, e isso é porque essa foi a mesma moradia na qual Jon cresceu.
Voltando ao passado, o garoto observa enquanto seu pai conserta um relógio, e assim entendemos ainda melhor o título da peça de Adrian, “O Filho do Relojoeiro”. Na HQ podemos ver mais da relação entre os dois, e como a bomba atômica em Hiroshima influenciou o futuro de Jon. Com o ataque ao Japão, o pai de Jon decide que ser um relojoeiro é a profissão do passado, enquanto o futuro está no estudo da ciência atômica, e assim Jon acaba se formando com um Phd em física atômica, o que rende uma vaga nos laboratórios de Gila Flats, uma instalação para testes de partícula atômica, localizado em Arizona.
Depois de ser pego observando Sr. Phillips e a Sra. Crookshanks na cama, Jon é chamado pelos dois para uma conversa, mas o casal é gentil e revela que está apenas tentando ter um filho. Eles entregam uma bíblia para Jon, e as ilustrações no interior são feitas pelo próprio Dave Gibbons, desenhista do quadrinho original. É óbvio que Alan Moore não participaria da produção da série (anos se dando mal nas mãos da DC Comics podem traumatizar qualquer um), mas Gibbons não vê problema nisso.
Voltamos ao presente, e Jon continua conversando com Angela. Ele narra a primeira grande briga entre os dois, onde ela questiona a humanidade do personagem, e ele diz que a última vez que sentiu medo foi em 1959, durante o experimento em Gila Flats no qual ficou preso em uma câmera de campo intrínseco, o que deu origem ao Dr. Manhattan.
Depois da briga, Manhattan vai até a Antártida, onde fica localizado o quartel general de Ozymandias, chamado Karnak, inspirado nos templos dedicados aos deuses egípcios. Podemos ver no interior os escombros e o que sobrou dos eventos do quadrinho, onde Adrian matou a equipe de pesquisa que o ajudou em seu plano final nas HQs, e tentou matar Jon, sem sucesso. Adrian ainda está lá, assistindo em suas telas como o mundo tem sido afetado pela sua paz mundial orquestrada. Os dois ex-Watchmen conversam e lembram dos eventos finais do quadrinho, repetindo alguns diálogos, como Manhattan dizendo o quão decepcionado está com Adrian. Também é revelado nessa cena que o próprio Adrian é responsável pelas chuvas de lula, que em suas palavras serve para “manter a paz”.
Para manter sua relação com Angela, Jon decide algo drástico e aceita um plano de Adrian para que suas memórias sejam afetadas ao ponto dele esquecer que seja o Dr. Manhattan. Isso o fará o mais mortal possível. Durante o diálogo, Jon pergunta quanto tempo demoraria para criar um dispositivo capaz disso, e Adrian responde dizendo que já o fez, há trinta anos, explicando que tentar destruí-lo era o plano B. Essa é mais uma ligação com uma fala do personagem nos quadrinhos, quando Adrian revela que seu ataque com a lula gigante não vai acontecer, mas já aconteceu, há 35 minutos.
Ainda na conversa entre os dois, dando uma olhada na mesa de Adrian podemos ver um dos bonecos da linha de brinquedos que Veidt produziu durante os eventos da HQ.
Assim, os dois terminam sua interação quando Adrian oferece o dispositivo para Jon, mas não antes de perguntar sobre sua utopia e a chance dela ser real. Jon diz que é real, mas não na Terra, então manda Ozymandias para Europa, onde pode comandar pessoas mais inocentes e capazes de manter o paraíso, mas é claro que para Adrian isso não é o suficiente.
De volta ao bar, Jon tenta provar para Angela que consegue criar vida fazendo um ovo surgir em suas mãos. Esse é mais um indício do tema geral da série, que usa constantemente imagens de ovos para fazer uma alusão ao dilema da galinha e do ovo e qual dos dois veio primeiro. É tudo um grande paradoxo, o que mais tarde no episódio acaba sendo uma informação essencial.
Assim, finalmente continuamos de onde o episódio anterior parou, com a consciência de Jon voltando aos poucos. Ele está confuso e caminha pela casa de Angela, então começa a falar sobre o que deve ser feito, mas sem entregar todos os detalhes, já que sabe o que acontece em seguida.
Jon pergunta sobre um relógio quebrado e descobrimos como Angela sobreviveu ao ataque da Kavalaria no passado, graças aos poderes de Manhattan, que a salvou por instinto. Mas o mais estranho da conversa entre os dois é quando Jon fica parado no meio da piscina e diz que ficar ali por alguns instantes é “importante para depois”. Essa é a única indicação forte de que talvez ele tenha sobrevivido ao ataque que está por vir.
Angela aproveita a presença de Jon e sua habilidade de estar em todos os momentos de sua vida simultaneamente, então pede para perguntar ao seu avô, Will, como ele sabia sobre Judd Crawford ser um membro dos Ciclopes e o uniforme da Klu Klux Klan em seu armário. Um Will do passado não faz ideia de quem Judd Crawford seja. Assim entendemos que Angela é a responsável por tudo e acabou de criar um paradoxo temporal, repetindo a temática da “galinha e do ovo”. Esse tema também pode ser encontrado nos quadrinhos, já que Alan Moore é fascinado por narrativas envolvendo simetrias, tanto que um dos capítulos de Watchmen se chama “Terrível Simetria”.
Os dois não tem tempo para discutir isso porque Jon diz para Angela que a Kavalaria está em sua porta, esperando para destruir Manhattan, e ele não pode impedir. Isso faz com que Angela corra para defendê-lo, e esse é o momento em que ele percebe que a ama.
Angela vai em direção aos membros da Kavalaria e quase perde a luta, mas Jon decide ajudá-la e é capturado pela arma que o teleporta para o esconderijo da Kavalaria. Voltamos ao bar, e Angela termina a noite aceitando o convite de Jon para um jantar.
E como se já não houvessem muitas revelações neste episódio, temos uma cena pós crédito envolvendo Adrian, que está sofrendo sua punição: ter tomates esmagados em seu rosto até que mude de ideia e decida ficar naquele paraíso com os clones. Em sua cela, lê o livro Fogdancing, escrito por Max Shea, um personagem da HQ que também é responsável por várias edições do quadrinho Cargueiro Negro. Adrian é o responsável pela morte de Shea.
Para terminar de vez o episódio, Adrian recebe a visita do Guarda Phillips, que o entrega mais um bolo de aniversário, mas dessa vez com a ferradura que tanto esperava, por algum motivo. Assim, ele começa a gargalhar e riscar a ferradura no chão. Ou ele vai usar isso para fugir ou talvez seja apenas a deixa para algo que está por vir, já que ao longo da série pudemos ver que Adrian sempre reagir ao receber a ferradura com um “Não está na hora”. Então, será que agora é a hora?
Falta apenas um episódio, mas talvez o teaser da próxima semana tenha confirmado que haverá uma segunda temporada, isso porque podemos ler “Season Finale” ao invés de “Series Finale”, o que confirma que essa não era apenas uma minissérie, mas uma primeira temporada. Por enquanto, vou me manter otimista, mas preferia que fosse apenas uma história contida.
Ainda precisamos saber mais sobre Will, que ficou com as crianças enquanto Angela ia ao encontro da Kavalaria; também não sabemos o verdadeiro propósito do Relógio do Milênio; e será que Dan vai surgir nos minutos finais?