Mrs. Davis | Jesus vs Inteligência Artificial, Ciência vs Religião
Continue LendoDaniel Milano
Divertida, irreverente e inteligente, Mrs. Davis é uma pérola
4minutos de leitura
Em um futuro de carros inteligentes e impressoras 3D capazes de replicar comida em segundos, a tecnologia mais cobiçada pela sociedade é uma realidade virtual onde você pode salvar a sua consciência antes de morrer e continuar sua segunda vida em hotéis de luxo. Acessível para poucos, o serviço Lakeview é o paraíso na terra (ou em um disco rígido), e Nathan Brown (Robbie Amell) acaba de chegar ao lugar, mesmo que não seja da maneira que imaginou.
Nathan é um jovem programador procurando por investidores, mas depois de sofrer um acidente de carro, recebe a chance de ser integrado ao serviço pós-vida digital. Relutante, acaba aceitando a oferta de sua namorada, Ingrid Kannerman (Allegra Edwards), rica o suficiente para pagar o procedimento. Agora, vivendo em uma realidade controlada por computadores, mesmo tendo um avatar físico e outras consciências com quem conversar, Nathan se sente mais sozinho do que nunca. Mas as coisas mudam quando ele conhece Nora Antony (Andy Allo), uma das atendentes trabalhando para manter Lakeview e seus clientes satisfeitos.
Essa é a longa premissa de Upload, nova série original do serviço de streaming Amazon Prime Video. Criada por Greg Daniels, responsável por séries como The Office e Parks & Recreation (há referências das duas ao longo da temporada, incluindo uma participação especial), é difícil não encontrar similaridades entre a proposta de Upload e o episódio San Junipero, da terceira temporada do já popular Black Mirror. Mas o conceito de viver em uma realidade pós-vida adaptada não é algo novo para a ficção científica.
Temos autores como Philip K Dick, que já tocaram no assunto, explorando temas como consciência e livre-arbítrio, o que Upload faz de forma propositalmente superficial, já que pretende seguir uma abordagem mais leve e descontraída para um tópico tão complexo. É por isso que a execução dessa primeira temporada talvez seja tão similar ao de comédias como The Good Place, criada por Michael Schur, amigo de longa data de Daniels.
O maior destaque positivo da série está na construção de mundo. Todos os elementos inseridos nesse possível ano 2023 não estão longe da realidade, mas tem algumas características exageradas para criar situações cômicas, como os aplicativos de namoro repetindo suas indicações ou drones de entrega jogando todas as embalagens de uma vez no mesmo ponto.
A realidade virtual de Lakeview é onde os roteiristas realmente brincam com a proposta da série e criam piadas envolvendo problemas cotidianos, como os usuários que não podem aproveitar o café da manhã fora do horário. Além disso, temos tramas incitadas por conta de problemas no sistema, sejam eles glitches, renderização incompleta ou a velocidade de fotogramas inconsistente, o que faz com que a comédia também tenha um propósito narrativo.
Mas é exatamente na comédia que temos o primeiro tropeço. Com um enredo que tenta balancear comédia, drama, elementos de ficção científica e até uma subtrama envolvendo a misteriosa morte do protagonista, não sobra espaço para muitas risadas, e o ritmo acaba sofrendo por conta disso, deixando tudo mais inconsistente e sem direção. Em certo ponto, uma policial é esfaqueada e uma piada é inserida logo em seguida, mas essa rápida sequência acontece durante um dos momentos mais tensos e dramáticos do episódio. Esse é apenas um dos exemplos da execução fraca de Upload.
Outro problema está no elenco, que não começou com o pé direito ao apresentar Robbie Amell como o protagonista, Nathan. Amell consegue ser charmoso, mas não entrega bem os diálogos mais cômicos, e quando se trata de drama, assisti-lo chorando pode ser um trauma completamente diferente (ele chega ao ponto de cobrir o rosto com um travesseiro para esconder a atuação).
Mas assim como humor, atuações entram em um território mais subjetivo, e é possível que alguém goste da atuação rígida e mecânica de Amell (eu não me aguentei). Também podem ser um incômodo coadjuvantes como Andrea Rosen, que interpreta a chefe do departamento de atendimento aos clientes; e Elizabeth Bowen, atuando como Fran Booth, uma parente de Nathan que decide investigar sua morte sem autorização alguma; essas duas extremamente caricatas e servindo apenas de alívio cômico.
Com exceção do protagonista e esses coadjuvantes genéricos, sobra para atores como Andy Allo, interpretando a assistente Nora, a difícil tarefa de manter o público investido emocionalmente no drama principal. E é Allegra Edwards, no papel de Ingrid Kannerman, quem merece elogios por alternar naturalmente entre uma personagem caricata e extravagante para um lado mais humano e vulnerável. Essas duas são as maiores surpresas positivas do elenco, e é uma pena terem que atuar ao lado de pessoas como Robbie Amell.
Upload tem vários problemas, alguns deles podem te tirar completamente da série, mas essa primeira temporada tem seus momentos e sabe se divertir com as regras do seu mundo. Pode não ser imperdível, mas pode te entreter caso não tenha algo melhor para assistir.
Daniel Milano
Divertida, irreverente e inteligente, Mrs. Davis é uma pérola
Roberto Honorato
Imaginando o futuro de ontem na série retrofuturista da Apple