O Homem do Castelo Alto | As diversas realidades de Philip K Dick
Continue LendoRoberto Honorato
Um clássico de Philip K Dick sobre realidades e distopias alternativas
4minutos de leitura
Esse livro foi lido durante o Desafio #LendoScifi 2019.
Um dos aspectos que mais me fascina na ficção científica são os debates criados por conta da própria ciência que o gênero carrega no nome. Com Oryx e Crake, primeiro volume da série MaddAddão, a autora Margaret Atwood explora questionamentos éticos e morais sobre humanidade e ciência. O cientificismo também entra na conversa, vinculado a uma crítica política inevitável. É uma obra que rende horas de discussão, mas aqui vou ater-me aos temas e a narrativa de Atwood, o que são provavelmente os pontos de maior destaque.
Em uma versão pós-apocalíptica do nosso mundo, onde os lençóis freáticos ficaram salgados, a calota polar ártica derreteu e a seca nas planícies centrais do continente tornou-se cada vez pior, talvez a perda mais significativa tenha sido para o setor alimentício, com a dificuldade da humanidade em conseguir mais carne. Ao tentar resolver o problema, as grandes corporações decidem contratar cientistas para um trabalho envolvendo manipulação genética, o que não teve o fim esperado e resultou em “criaturas” perigosas.
Somos apresentados ao Homem das Neves, o sobrevivente de uma grande epidemia que aparentemente acabou com toda a população da Terra. Ele já atendeu pelo nome de Jimmy, mas isso foi em outra época, uma onde ele tinha amigos e família. Suas únicas companhias agora são os remanescentes de um experimento genético, humanoides que atendem pelo título de Filhos de Crake. Eles se encontram regularmente perto de uma árvore, onde o Homem das Neves reside e prega a palavra de Oryx e Crake, os dois grandes responsáveis pelo estado do mundo.
A narrativa intricada de Atwood traz sensações conflitantes. Por um lado há uma alegoria muito bem construída e debates sobre a interferência do capitalismo no processo científico, sem contar o embate ético que surge por parte dos personagens. Este é o ponto alto do livro, que serve como um ótimo meio para botar em evidência algumas preocupações do nosso tempo e especular sobre um possível futuro. Mas por outro lado, há a narrativa em si, onde alguns podem encontrar dificuldade.
“Há algo bom na fome: pelo menos ela faz você saber que está vivo”
A linha temporal de eventos se desenvolve de forma não linear, alternando constantemente entre passado e presente, sendo Jimmy o elo dos Filhos de Crake e do leitor com os principais pontos da trama. O texto de Atwood é mais forte quando assume a função de descrever o terreno melancólico e desolador do livro, com representações realistas e detalhadas de todos os escombros, a poeira ou a vegetação. A construção de mundo, com ambiente e tom, é mais que competente. Mas com cada regresso aos momentos onde os personagens precisam se destacar fica visível a maior fraqueza na estrutura narrativa da autora.
Jimmy tem poucas características realmente envolventes, indo de piadas autodepreciativas para memórias envolvendo sexo descartável. A obra dedica algumas páginas para sua infância e instâncias onde uma avaliação pessoal por parte dele poderia ter sido melhor explorada. Os seus amigos, Oryx e Crake, são dois extremos. Oryx passa a maior parte da história como um conceito duvidoso, o que compromete as suas origens (se é que são mesmo suas); Crake é um personagem mais intrigante, com uma filosofia de vida (e profissional) intimidadora para Jimmy, mas estranhamente atraente para quem lê. Quanto aos Filhos de Crake, temos uma comunidade investida em todos os conceitos e desculpas mirabolantes que o Homem das Neves dá para instruir sentido em sua própria narrativa. Não há malícia neles, apenas a vontade de aprender mais sobre o mundo anterior.
Oryx e Crake é a previsão de um possível futuro, um assustadoramente possível, o que faz deste livro um comentário pertinente ao abuso de um poder que talvez devesse ser possuído por ninguém. Atwood tem uma voz incontestável na ficção científica, principalmente por sua habilidade de imaginar premissas estimulantes como esta, ainda que aqui ela divida algumas opiniões sobre a forma como seus personagens são executados.
“É o rígido apego à rotina diária que ajuda a manter a boa disposição e a preservar a sanidade”
Oryx e Crake (Livro 1 da Série MaddAddão), de Margaret Atwood
Editora Rocco, 2018
352 Páginas
Tradução: Léa Viveiros de Castro
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Roberto Honorato
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