O poder da fala em “Star Trek: A Nova Geração”

O poder da fala em “Star Trek: A Nova Geração”

25 de julho de 2019

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Se tem uma série que contribuiu para transformar a ficção científica em um dos gêneros mais intrigantes na televisão é Jornada nas Estrelas. Revolucionária em vários aspectos (alguns deles já mencionei no meu texto sobre Uhura e seu impacto cultural), essa é uma franquia que trouxe algumas das melhores narrativas que já passaram pela TV ou cinema — dependendo de qual filme você estiver assistindo, é claro.

Todo fã de Jornada tem um spin-off favorito, olha que não falta opção, e por mais que eu adore a equipe da versão clássica ou a abordagem mais séria de Deep Space Nine, encontro o equilíbrio perfeito em A Nova Geração. Ótimos personagens e um enredo excepcional renderam alguns episódios memoráveis e uma aula de como uma boa história sci-fi deve ser escrita. Um desses episódios é Darmok, o segundo episódio da quinta temporada, escrito por Philip LaZebnik e Joe Menosky e dirigido por Winrich Kolbe.

Uma das características mais curiosas da série é a exigência de Gene Roddenberry, criador do universo Trek, em evitar conflitos na trama, mantendo consistente a proposta utópica da franquia de um futuro onde não há fome ou a necessidade por posse. Isso faz com que a vida dos roteiristas seja um inferno, afinal como escrever qualquer história sem conflito? É uma das noções básicas de qualquer estrutura narrativa, mas não é como se fosse tão extremo assim, ainda temos conflitos básicos em Jornada nas Estrelas, seja internos ou externos, envolvendo geralmente as relações entre o homem e a natureza, ou ele mesmo. O próprio dilema envolvendo a primeira diretriz, o princípio de que nenhum membro da federação deve interferir no desenvolvimento de outras civilizações, já é um conflito em si, por vezes fazendo com que os personagens entrem em um impasse que pode afetar a dinâmica geral.

Com um foco maior em executar a trama de maneiras mais inteligentes, onde um diálogo tem mais poder que qualquer raio laser disparado por um phaser, não faltam episódios onde a tripulação da Enterprise simplesmente não possui um antagonista principal direto — até mesmo os Borg, mesmo que antagonistas, servem mais como inimigos involuntariamente, já que seu papel é assimilar e aprender, evoluir e sobreviver. Talvez o maior adversário da franquia, ou o mais popular, seja Khan, mas não falaremos dele aqui.

Picard sendo assimilado no especial "The Best of Both Worlds"
Picard sendo assimilado no especial “The Best of Both Worlds”

Considerando a maneira como Jornada desenvolve sua trama, um episódio sempre me vem em mente, e é Darmok, da quinta temporada de Nova Geração. Essa é uma história que mostra a importância da comunicação, tornando-a uma das ferramentas essenciais para a vida. No episódio, a Enterprise se aproxima do território de uma raça conhecida como Filhos de Tamar, aparentemente pacífica, que está tentando entrar em contato com a frota. Mas quando Picard tenta sua abordagem diplomática rotineira, é transportado pelos tamarianos para um planeta próximo, El-Adrel IV, acompanhado de Dathon, o capitão da nave dos Filhos de Tamar. Tudo parece uma grande armadilha para que Picard e Dathon combatam até a morte, mas aos poucos descobrimos as verdadeiras intenções da raça e a importância em escolher Picard para o “combate”.

Picard é um estudioso, apaixonado por arqueologia e história, ele é a pessoa perfeita para a missão dos tamarianos, que arriscaram tudo confiando no capitão da Enterprise. Quando ele começa a falar com Dathon, escuta coisas como “Darmok e Jalad em Tanagra” ou “Shaka, quando as muralhas caíram”, o que não faz sentido algum para nós, mas Picard percebe a peculiaridade no discurso da raça, que se comunica por metáforas inspiradas em sua própria mitologia. Dathon usa nomes como Darmok, Jalad ou Shaka, mas essas são figuras de uma cultura única, o que impossibilita uma tradução universal. Assim, os dois passam a maior parte do tempo tentando conversar e se unir contra uma criatura misteriosa na superfície daquele planeta.

Enquanto as duas tripulações se preocupam com seus capitães, compreendemos a ideia dos tamarianos, colocando os dois líderes em uma situação de perigo para que desenvolvam uma ligação e tornem-se companheiros. É na batalha que os laços são forjados com mais força, como aconteceu quando os guerreiros Darmok e Jalad “trabalharam juntos” para sobreviver em Tanagra (daí o Darmok e Jalad em Tanagra), mas desta vez temos Picard e Dathon em El-Adrel.

Dathon ensina Picard
Dathon ensina Picard

Essa é uma maneira diferente de primeiro contato, sem contar arriscada, e por isso temos um dos melhores episódios da franquia, com um roteiro tenso e bem executado, sem contar a perfeita atuação de Patrick Stewart em pequenos momentos maravilhosos, consolando seu novo amigo e contando algumas de nossas próprias histórias, incluindo o épico de Gilgamesh, que carrega vários paralelos com a relação dos dois capitães.

Darmok é o tipo de episódio que melhor representa Jornada nas Estrelas, uma série sobre respeito e compreensão, onde outra cultura é aceita de braços abertos. Os tamarianos se sacrificaram por algo que consideravam o mais importante: compartilhar suas histórias e contribuir para a construção de uma nova.

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