Mrs. Davis | Jesus vs Inteligência Artificial, Ciência vs Religião
Continue LendoDaniel Milano
Divertida, irreverente e inteligente, Mrs. Davis é uma pérola
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Alerta de Spoilers (Obviamente).
No momento em que escrevo esse texto, a segunda temporada de Westworld já acabou há uma semana e minha crise existencial começa a tomar conta. Eu tenho o costume de ficar ansioso para um novo episódio de uma série que gosto, mas quando a série é Westworld, eu transformo as coisas em um evento: deixo tudo pronto e coloco o celular no modo silencioso. Isso tudo porque eu conto os minutos para ver Dolores chutando bundas, Bernard lutando contra sua programação, Maeve em sua busca, Hector representando o Brasil (vai, Santoro!) e a equipe do parque tentando descobrir o que está acontecendo. Pode ser um sintoma da ansiedade? Pode. Mas eu gosto de pensar que seja porque essa série é uma das melhores que eu já assisti.
A primeira grande diferença desta temporada para a primeira é o protagonista. Se antes tivemos Dolores (Evan Rachel Wood) em sua descoberta pessoal e fomos apresentados aos elementos mais importantes do parque, desta vez o destaque é Bernard (Jeffrey Wright) e sua forma de lidar com a recente descoberta de que também é um dos anfitriões. Esse ponto de vista contribui para um jeito diferente de seguir com a trama e mostra como Westworld se sustenta muito bem mesmo colocando todo o peso dramático principal em outra pessoa.
Podemos ver a força dos personagens da série, assim como Akecheta, interpretado por Zahn McClarnon, um excelente ator de expressões sutis que já tinha roubado minha atenção na segunda temporada da série Fargo, e agora ele protagoniza o meu episódio favorito de Westworld. E se formos falar em atuação, ainda tenho que colocar nessa conversa as maravilhosas Tessa Thompson e Thandie Newton. Newton, que interpreta a ex-cafetina, Maeve, é uma atriz capaz de carregar um núcleo inteiro nas costas independente de eu ter gostado ou não dele — para deixar logo aqui, eu não gostei. Mas espera um pouco que eu vou explicar.
Eu não perderei tempo tentando convencê-los do talento dos veteranos Ed Harris e Anthony Hopkins, então hora de seguir em frente e entrar em detalhes no que eu considero pontos positivos e negativos.
O primeiro enorme positivo já foi mencionado: as atuações. Cada ator, pelo menos com um papel mais relevante na trama, é excepcional em tudo que faz. Essa série tem algumas das melhores atuações que eu já vi em uma produção para a televisão, ficando atrás apenas de coisas do nível de Twin Peaks ou Os Sopranos. Mas nesse departamento encontra-se o primeiro negativo, que são alguns personagens e o arco narrativo que recebem.
Como eu disse, se você recebeu um papel importante na trama, ótimo, mas nem todos tiveram esse privilégio, e quem mais sofreu com isso foi o núcleo de Maeve. A personagem é uma das mais envolventes e com uma das motivações mais fortes da série, mas ao deixá-la com um grupo de coadjuvantes completamente desnecessários prejudicou bastante sua jornada nessa temporada.
Ao seu lado temos Armistice (Ingrid Berdal) e Hector (Rodrigo Santoro), os únicos que realmente tem uma razão honesta para estar ali, mas o retorno de figuras pouco interessantes como Lutz (Leonardo Nam) e Sylvester (Ptolemy Slocum), a dupla de funcionários do parque, não contribuiu para muito além de reações ao que nós, o público, já estamos descobrindo sozinho. Eles servem de alívio cômico por alguns segundos, mas não dura muito tempo porque nenhuma de suas piadas chega na hora certa. Além deles, o roteirista Lee Sizemore (Simon Quarterman) até serve como uma força de contenção para Maeve, mas isso apenas em teoria, porque na prática ele é resumido naquele personagem que serve apenas para entregar informações mastigadas que a série talvez tenha medo de você não captar sozinho.
Como se essa quantidade de gente já não fosse suficiente, Maeve ainda carrega com ela a jovem Hanaryo (Tao Okamoto), uma anfitriã do parque oriental, Shogunworld. Tirando o fato dela carregar uma espada e um arco e flechas, não sei muito mais como apresentá-la.
A maioria desses integrantes do clubinho da Maeve foi tão mal aproveitado que depois de alguns episódios, foram simplesmente abandonados da trama e surgiram novamente apenas no último episódio, do mesmo jeito que foram deixados antes. Se isso não foi uma desculpa esfarrapada para deixar de desenvolver alguns coadjuvantes, não sei o que é.
Aliás, dois novos parques foram introduzidos. Shogunworld, focado no período feudal japonês, é belíssimo, com todas as cores que compõem o oriente de forma única; O Raj, com a temática indiana, tem pouquíssimo espaço em tela, mas parece carregar muito mistério e ação. É uma pena que os dois precisem ficar apenas em segundo plano por conta da importância do parque principal, mas é compreensível.
Um aspecto significativo da apresentação de um novo parque foram as rimas visuais e narrativas, que foram constantes. O discurso de Hector e a forma como ele anuncia sua chegada na primeira temporada, ao som de “Paint it, Black”, da banda Rolling Stones, é reproduzido fielmente na segunda, por um outro personagem que serve a mesma função de Hector e tem o mesmo propósito. Na cena, Lee Sizemore explica que ele gostava de repetir algumas coisas, mas vai além disso, esses momentos espelhados deixam tudo mais impactante, mostram o contraste e ao mesmo tempo as similaridades entre esses dois mundos, com um visual e disciplina diferentes, mas dores e ambições partilhadas.
Também vemos isso com Akecheta e sua esposa. O oitavo episódio, intitulado Kiksuya, mostra como o personagem atinge a consciência e tenta alertar seus companheiros de tribo. A cena em que ele reencontra sua esposa depois de ter visto tanta coisa, nos dá uma sensação de tristeza bem maior do que a esperada, e isso talvez seja por estarmos vendo mais uma vez o reencontro de William com Dolores, na primeira temporada, mas com personagens diferentes. Ao contrário de Will, que usou sua dor para transformar-se no temido Homem de Preto, Akecheta justifica porque o foco da série está nos anfitriões. Esse artifício narrativo pode ter um resultado vazio nas mãos de uma equipe criativa incompetente, o que felizmente não é o caso aqui.
Tal qual a primeira temporada, Westworld continua trabalhando com as linhas temporais desconjuntadas. Hoje, com tantas séries fazendo isso (Legion e Twin Peaks dançaram em cima do formato que nem loucos), e a própria Westworld já tendo feito, fico me perguntando se essa decisão ainda é relevante ou serve para melhor contar a jornada nos personagens. Um pouco de confusão é ótimo, eu mesmo adoro quando todas as peças do quebra cabeça chegam para mim com calma, sem alarde, até que eu finalmente tenha aquele choque de realização do que acabei de perceber. Mas talvez o excesso de pequenas linhas temporais fora de ordem pareça mais uma decisão artística apenas por estilo e não uma razão para construir uma narrativa mais eficiente. A externalização de certos pontos-chave da trama por Bernard ou Lee, por exemplo, mostram como as vezes menos é mais.
Passando rapidamente pelos arcos principais, mesmo com o destaque para Akecheta e Maeve, e o foco principal em Bernard e o conflito com seu criador, Dolores continua um peão importante para o jogo, ainda que ela não se considere apenas uma peça e sim a resposta para tudo. Sua relação com Teddy (James Marsden) é afetada por conta da missão, e é um núcleo que parece se distanciar um pouco dos outros no começo, mas depois volta aos trilhos (quase literalmente).
Essa segunda temporada dividiu algumas opiniões, sendo longa e confusa para uns, mas contemplativa e inteligente para outros. Talvez um pouco de cada. No fim, principalmente botando a temporada inteira em perspectiva, Westworld mostra como continua poderosa e, ao contrário do que alguns também andam dizendo, não perdeu seu fôlego. Jonathan Nolan e Lisa Joy criaram um espetáculo de encher os olhos com visuais que só o orçamento da HBO permite, isso e a habilidade de deixar sua mente formigando com diálogos impecáveis e um dos enredos mais intrigantes da TV atual.
Que venha logo a terceira temporada, porque essa série tem um potencial gigantesco em mãos, assim como o próprio Ford demonstra em sua última cena, apontando para o horizonte enquanto se despede de Bernard.
“É naquela linha impossível, onde as ondas conspiram para retornar. Um lugar onde talvez nós voltaremos a nos encontrar”.
Daniel Milano
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